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O Jornalecão - Um sonho de criança que completa 27 anos de existência

Conheça a história do jornal criado por duas crianças de 11 anos que se tornou um dos mais antigos de Porto Alegre


Cristian, Gustavo, Guilherme e Denis
 durante a produção de um dos primeiros exemplares

Por Gustavo Cruz da Silveira Jornalista e fundador de O Jornalecão


O Jornalecão nasceu no dia 10 de maio de 1987, mas sua história começou ainda no ano anterior, exatamente no dia 11 de novembro de 1986, quando os meninos e meninas da rua Oiampi (entre eles, eu) se organizaram para “construir” um campo de futebol. Levamos a coisa tão a sério que fizemos inclusive eleição e elaboração de estatuto. Dois dias depois, nos unimos em mais de dez meninos para ir pisotear o matagal de quase dois metros de altura de um terreno baldio da rua. O próprio jogo serviu para desmatar mais o campo pros jogos seguintes e para a estreia oficial, o jogo dos pais contra os filhos.


Revista ou jornal?

Com o sucesso da empreitada com o campinho, no dia 25 de abril surgiu a ideia de fazermos uma “revista da rua” para juntar dinheiro e comprar materiais como bolas, uniformes e tinta (para marcar as linhas do campo).  No dia seguinte, Cristian foi à minha casa com uma nova ideia, que aprovei na hora:  ao invés de uma revista, fazer um jornal.
Eu e Cristian achávamos que o nome deveria ter alguma relação com a rua, já que nosso público-alvo eram os vizinhos. Foi então que ele sugeriu o nome Diário da Oiampi. A edição seria “xerocada” e dobrada ao meio, para depois ser vendida aos vizinhos. Decidimos que metade do lucro seria destinado para o campinho e a outra metade seria para pagar as próximas edições. Os amigos iriam colaborar com matérias, desenhos, etc. A primeira equipe contou, além dos fundadores, com os vizinhos Fabrício, Quinho e Denis (irmão do Cristian) e Guilherme (meu irmão), esses dois últimos então com apenas 9 anos de idade, enquanto os outros tinham no máximo 11.


Planejando o lançamento

A ideia era lançar a primeira edição do jornal no Dia das Mães, que, em 1987, caiu no domingo de 10 de maio, então tínhamos pouco tempo. Nessa época, para encontrar uma máquina da Xerox era necessário ir até o Centro da cidade, e nós, crianças, não tinhamos autorização para isso. Por isso, a mãe do Cristian, Dona Rúbia, doou a impressão dos 5 primeiros exemplares. Além do primeito exemplar, que foi entregue justamente para Dona Rúbia, por ser nossa primeira apoiadora, tínhamos certeza de vender também para meus pais, o que já representava 40% das vendas.


A hora da verdade

Após montar os exemplares, com 12 páginas cada, a edição começou a ser distribuída depois das 22h daquele 10 de maio de 1987. Nós já tínhamos vendido os exemplares para nossos pais, mas ainda tínhamos que vender os outros três naquela mesma noite. Afinal, era uma edição especial de Dia das Mães.
Rapidamente, saímos para oferecer o jornal para os vizinhos de porta em porta. Depois de brevemente afinarmos nosso discursos, batemos na primeira casa, de Cláudio Wolf, pai do Quinho, um dos colaboradores do jornal. Como era a primeira venda fora de nossas casas, ficamos um pouco tímidos. Apesar de ter oferecido o jornal olhando pra baixo, mesmo assim, ele gostou e pagou os 5 cruzados, tornando-se, assim, o primeiro cliente conquistado “fora de casa”. Era o incentivo que precisávamos para ganhar confiança para as próximas vendas e então vendemos outro exemplar na casa da Letícia e da Carolina, após pularmos o muro (naquele tempo, a maioria das casas não tinham cercas e os muros eram baixos).


Uau, 50 cruzados!

Faltava apenas um exemplar e o nosso aproveitamento era de 100%, com vários vizinhos pra visitar ainda. Estávamos empolgados! Apesar do horário, vimos as luzes acesas na casa de Pedro Opazo e Eugenia Aguillera, pais da Paula e da Carolina, e batemos. Foi então que, além de atingir nossa meta com a última venda, ganhamos também um incentivo extra e inesperado. Depois de elogiar muito a nossa iniciativa, Seu Pedro pegou uma nota de 50 cruzados, dez vezes mais que o valor pedido (quantia na época equivalente a, aproximadamente, 1 dólar), o que  garantiu outras edições do jornal


Outros vizinhos pediam

 Nos dias seguintes ao lançamento, os vizinhos que não conseguiram comprar a edição do nosso jornal ficaram cobrando, dizendo que também queriam um exemplar, o que tornou necessário imprimir novas cópias o mais rápido possível. Imprimimos mais quatro exemplares da primeira edição, com parte do dinheiro da primeira noite de venda, mas já era certo que nas próximas quinzenas precisaríamos de mais exemplares. Na segunda edição, uma das vizinhas, Dona Candida, doou os exemplares, o que nos garantiu um ganho extra, aí começamos a pensar em fazer mais edições para sobrar mais dinheiro pro nosso “estádio”.


A 1ª equipe e os coirmãos

Fazer mais edições exigia mais mãos. Denis, irmão do Cristian, e meu irmão, Guilherme, ambos com 9 anos, foram os colaboradores que permaneceram. Por isso, como forma de incentivo, foram “promovidos”, pois já nessa época uma das realidades dos jornais de bairro se fazia presente: tem que saber fazer tudo: arte, matérias, vendas, distribuição...
O sucesso do jornal levou os nossos antigos colaboradores a fazer outro jornal da rua: Fabrício se uniu ao Leandro para lançar o Jornal da Oiampi e o Henrique (Quinho) criou com o Alessandro o Correio da Oiampi. A “concorrência” com outros jornais na Rua Oiampi durou menos de dois meses, pois os coirmãos logo pararam de circular. Mas isso nos fez planejar um pouco o crescimento. Produzimos mais exemplares, que foram divididos entre os quatro integrantes da equipe e cada um vendia sua parte, o que fez o jornal se expandir para outras ruas.


Mudando de nome

A cada edição, mais vizinhos do Guarujá e, depois, de outros bairros pediam o jornal, por isso sentimos a necessidade de mudar de nome, já que havíamos definitivamente alcançado além da nossa rua. Planejamos a mudança de nome para maio de 1989, quando se completaria dois anos de circulação, e escolhemos O Jornalecão, porque nosso jornal se tornou “um grande jornal pequeno”.


Mudando a fotografia

Denis deixou de integrar a equipe de O Jornalecão no início de 1989, depois que a família se mudou para o Menino Deus. Seu irmão mais velho, Cristian, por ser fundador, ainda continuou mais alguns meses, quando decidiu sair pra se preparar para a carreira de médico, que exerce atualmente. Outros dois que se somaram depois, Marcelo e Paula, também saíram naquele mesmo ano, assim como Guilherme, que retornou anos depois e permanece até hoje.
Foi nessa época que conheci um leitor de O Jornalecão que veio a se tornar meu amigo e sócio, Rafael Queiroz, que trouxe várias ideias novas. A parceria durou pouco, mas o suficiente para me reanimar a continuar a caminhada. Depois, em 1991, se apresentou uma nova parceria, com outro amigo, Frederico (Ico), que também durou pouco. E a bola voltou novamente para mim. Decidido a não largá-la mais, formei-me em Jornalismo pela PUC, em 2000. Meu trabalho de conclusão falou, obviamente, sobre jornais de bairro, o que me levou a uma grande descoberta: já na década de 50, a Zona Sul contava com um jornal de bairro, o mais antigo da cidade (ver matéria na página 13).


O presente

Nesses 27 anos que se passaram, nosso compromisso com a comunidade, que desde o ínicio nos acolheu, só se fortaleceu, fazendo de O Jornalecão, com muito orgulho, um dos jornais de bairro mais antigos de Porto Alegre. E que venham muito mais anos pela frente! Obrigado, vizinhos, pelo reconhecimento do nosso trabalho! Permaneceremos à disposição de vocês!

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