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Aconteceu há 20 anos em O Jornalecão



Entrevista: Luis Fernando Verissimo
O Jornalecão 
N° 51 (Agosto 1995)

Gustavo Cruz / O Jornalecão
Na edição de Agosto/1995 (Nº 51), há 20 anos, Luis Fernando Verissimo recebeu em sua casa, no bairro Petrópolis, o jornalista Gustavo Cruz (na época, estudante) para uma entrevista exclusiva para os leitores de O Jornalecão, solicitada ao jornalista e escritor por uma amiga da família Verissimo, a saudosa jornalista Edith Hervé de Souza, colaboradora do jornal que escrevia mensalmente a Coluna da Vó Edith, com suas crônicas e também com poesias de moradores da Zona Sul.
Em mais de uma hora de conversa, o cronista que publica suas obras em grandes jornais do país e também seus livros consagrados pelo público falou sobre sua vida, carreira, gostos, opiniões e um de seus prazeres: viajar. Mas Verissimo também contou um pouco sobre seu lado menos conhecido: confidenciou que não gosta muito de escrever (gosta mesmo é de pintar) e que não sabe qual é o segredo de escrever bem. E também revela que para ele não é fácil escrever, como muitos imaginam. Confira, a seguir, na íntegra, a entrevista exclusiva de Luis Fernando Verissimo no quadro “Aconteceu há 20 anos em O Jornalecão”, com frases marcantes do escritor que é unanimidade nacional, entre elas: “Eu não gosto muito de escrever. Na verdade, eu nem sabia que sabia escrever!”.

“Eu não sou escritor e sim jornalista”

Entrevista exclusiva de Luis Fernando Verissimo, 
em agosto de 1995

Gustavo Cruz / O Jornalecão
Luis Fernando Verissimo, 59 anos, porto-alegrense, morador do bairro Petrópolis e filho do escritor Erico Verissimo. Já é alguma coisa, mas muito pouco para defini-lo. Luis Fernando Verissimo se diz jornalista, mas o que todos sabem é que escreve crônicas (que são unanimidade nacional) em grandes jornais do país. O que nem todos sabem é que ele não gosta muito de escrever (gosta mesmo é de pintar), não sabe qual é o segredo de escrever bem – inclusive, confidenciando que para ele não é fácil escrever, como muitos imaginam.
Nesta entrevista, ele fala um pouco sobre sua vida, carreira, gostos, opiniões e ainda sobre um de seus prazeres: viajar.

O Jornalecão: Fale um pouco sobre sua vida.
Luis Fernando Verissimo: Eu nasci há 59 anos aqui em Porto Alegre, na Beneficência Portuguesa. Nós ainda não morávamos nesta casa, aqui na Rua Felipe de Oliveira, e sim no centro da cidade, mas estamos nesta casa há mais de 40 anos. Sou o segundo filho, tenho uma irmã mais velha, Clarisse. Meu pai, Erico Verissimo, era um escritor. Quando eu nasci, ele não vivia exclusivamente de livros. Em seguida, passou a viver de seus livros, sendo um dos poucos escritores profissionais do Brasil, onde, infelizmente, ainda não existe a profissão escritor. Com raras exceções, ninguém vive dos livros.
Passei a 1ª infância em Porto Alegre. Viajamos para os Estados Unidos, quando eu era garoto, tinha uns 7 anos. Ficamos dois anos lá. Depois, na pré-adolescência, nós voltamos aos EUA, ficando quatro anos. E, fora esta experiência americana, não tenho mais nada diferente na minha vida que possa interessar. Não me formei em nada. Saí da escola sem me formar. Comecei a trabalhar em jornalismo, um pouco tarde, já com 30 anos, depois de tentar muitas coisas. Quando comecei no jornalismo, não precisava ainda ter diploma para ser jornalista, podia entrar como estagiário. Foi o que eu fiz. Desde então, tenho vivido como jornalista, fazendo crônicas, publicando livros de crônicas. Sou casado com a Lúcia, que conheci no Rio de Janeiro, numa das temporadas que passei lá. Temos três filhos.

OJ: Até onde estudaste? Por que não continuaste?
LFV: O que me atrapalhou um pouco foram estas idas aos EUA. Eu me formei lá nas chamadas High Scholl, que corresponde aqui até o nosso 2º ano secundário, eu acho. Se bem que já não sei bem como é a divisão na escola. Na minha época se chamava o clássico ou científico, depois do ginásio. Eu me formei lá e, para continuar aqui, acho que teria que fazer o último ano do secundário, ainda. Mas eu não quis fazer porque era mesmo vagabundo e não queria estudar. Então resolvi não estudar mais e comecei a trabalhar.

OJ: Hoje, te consideras um escritor profissional, ou não?
LFV: Olha, eu gosto quando me chamam de escritor, mas na verdade eu não sou escritor e sim jornalista. Se bem que o que eu faço é uma espécie de meio termo entre literatura e jornalismo, porque é crônica. Crônica pode ser um conto, também pode ser ficção, pode ser o que a gente quiser. Então, é uma forma de literatura e ao mesmo tempo de jornalismo. Mas eu me considero jornalista. Sou jornalista.

OJ: Tuas crônicas são quase unanimidade no Brasil, porque elas conseguem passar uma mensagem de uma maneira que pressupõe um final previsível, mas, de repente, dá uma reviravolta total na história e acaba passando uma mensagem diferente, um final inesperado. Além da facilidade que tens de escrever. Como tu analisas esta visão que as pessoas têm das crônicas?
LFV: Bem, na verdade esta facilidade não existe. Eu não tenho muita facilidade para escrever. Às vezes, as pessoas se surpreendem quando eu digo, mas eu não gosto muito de escrever. Não é uma coisa que eu faço com muito prazer, com muita necessidade. Tem gente que precisa escrever, mas eu gosto mais de desenhar do que escrever. Não escrevo com muita facilidade. Mas a gente se envolve na técnica de escrever. Então, assim, tem umas crônicas que funcionam bem, outras não. A gente escreve muita porcaria também, junto com algumas que são aproveitáveis. Agora, qual é o segredo disto tudo? Confesso que não sei como se faz, não tenho a receita. Eu faço, mas não sei bem como se faz.

OJ: Então, Luis Fernando Verissimo tem outra vocação? De desenhar também?
LFV: Eu gosto de desenhar. Não sou um grande desenhista, mas é uma coisa que me dá prazer. Sempre gostei muito de história em quadrinho, quando era garoto... E até hoje gosto muito de cartoon e tal. Então é uma coisa que eu faço com mais prazer do que escrever. Apesar de não saber muito bem desenhar. Meu desenho é muito rudimentar. Não tem grande importância não.

                                                                                             Gustavo Cruz / O Jornalecão


OJ: Tu és filho de um grande escritor brasileiro – Erico Verissimo. Tu achas que isto te influenciou ou te ajudou para ser um grande escritor brasileiro como ele? Será hereditariedade ou ele te deu algum...
LFV: Não sei se é uma coisa genética, que estava no sangue. Não sei se isto existe ou não. Acho que o fato de ser filho de escritor indiretamente influenciou, porque eu sempre vivi numa casa em que o livro era uma coisa importante. Por isto mesmo que eu sempre gostei muito de ler. Agora, talvez tenha de uma maneira inibida, isto porque, até os 30 anos, eu nunca tinha escrito nada, a não ser algumas traduções. Na verdade, eu nem sabia que sabia escrever! Só quando comecei a trabalhar no jornal, que comecei a escrever regularmente, e eventualmente comecei a escrever matérias assinadas, como crônicas e colunas. Então, foi uma vocação que se revelou um pouco tarde. Acho que houve influências dos dois lados: uma influência positiva, no sentido de, por ser filho de escritor, eu sempre gostar de ler muito, e não sei se havia uma predisposição genética aí. E uma influência negativa, porque eu achava que, sendo filho de escritor, eu não seria escritor. E só fui descobrir que tinha vocação bem tarde.

OJ: Por que achavas que, por ser filho de escritor, não serias escritor?
LFV: Não sei, porque não é muito comum, não é? O normal é que, quando um homem se notabiliza num ramo, o filho não é do mesmo ramo. Não sei se isso é uma regra ou não. Mas eu achava isto e vi que estava enganado, pois acabei sendo e fazendo a mesma coisa.

OJ: No começo, houve facilidade para escrever para jornais ou editar livros por ser filho do Erico Verissimo ou só o teu talento influenciou?
LFV: Eu acho que o nome ajudou no momento de começar a trabalhar em um jornal, pois fui levado para a Zero Hora por um amigo de meu pai para fazer uma experiência. E, quando comecei a fazer os livros, pelo menos havia aquela curiosidade das pessoas. O nome já criava uma curiosidade nas pessoas. Agora, eu gosto de pensar que o resto foi por causa do talento, pois só o nome não adiantaria muito. Ajudaria pra começar, mas não para continuar. Agora, que ajudou no início, sem dúvida.

OJ: Os temas escolhidos para as tuas crônicas, em geral, são relacionados à classe média. Por quê?
LFV: Na verdade, não foi uma escolha consciente. É que acabou saindo. Muito do que eu escrevia era sobre os costumes da família brasileira, da classe média brasileira, ou da classe alta ou classe baixa. Em 1º lugar, porque é o meu ambiente, é onde eu vivo. Também porque eu acho que, para fazer crônica de costumes ou crítica de costumes, tem que pegar mais ou menos a média, não pode fazer sobre o excepcional, tem que se fazer sobre o normal, sobre a média. É isso que eu faço, mas não foi uma coisa deliberada, pensada.

OJ: Onde iniciaste na profissão?
LFV: Foi na Zero Hora, já um pouco tarde, em 1967. Naquela época, a Zero Hora não era o que é hoje. Era um jornal pequeno. Depois é que começou o seu crescimento. Depois saí, passei cinco anos trabalhando na Caldas Júnior, na Folha da Manhã, que não existe mais. Depois voltei para a Zero Hora e, eventualmente, comecei a publicar também no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. Depois escrevi uma época na Revista Veja. E hoje continuo na Zero Hora, no Estado de São Paulo e no Jornal do Brasil e, eventualmente, em revistas como a Playboy.

OJ: Mas fixamente seria na Zero Hora?
LFV: É. Eu sou funcionário da Zero Hora. Tenho uma ligação como funcionário. No Estadão e no Jornal do Brasil eu sou colaborador, e da TV Globo também.

OJ: No ano passado ocorreu um episódio entre a RBS e Luis Fernando Verissimo, na época da eleição. Como foi exatamente?
LFV: É, não passou disto; um episódio. Não foi briga nem incidente. É uma questão muito controvertida, se uma pessoa que tem um espaço num jornal e assina este espaço, se ele pode, por exemplo, no caso de uma eleição, abrir o voto e dizer em quem vai votar. Se ela está ou não abusando de um privilégio. Já que você tem o privilégio de ter um espaço no jornal, se você pode usar este espaço para declarar o seu voto ou fazer campanha para algum candidato. Na minha opinião, quem tem uma coluna no jornal para dar opinião, tem que dar sua opinião sobre tudo, inclusive política. Não pode tomar partido sobre um restaurante que gosta mais do que o outro e nem escrever sobre um candidato que gosta mais do que o outro. Mas acho que quem tem uma coluna assinada, tem quase que o dever de dizer sua posição política. Não fazer campanha, para este partido ou para aquele, mas sim dizer uma posição política, em quem vai votar. E foi o que eu fiz. E a política da Zero Hora é que quem tivesse coluna assinada não abrisse seu voto, não fizesse declaração da sua intenção política. E foi só isso: num rápido desentendimento. Não passou disto. E eles nunca impediram que eu publicasse o que eu quisesse.

OJ: Esta questão do voto. Tu abriste teu voto para o Lula, não é? E como foi o desfecho disto? Eles acabaram voltando atrás ou não?
LFV: Sim, foi para o Lula. E na verdade não houve desfecho. Eu escrevi o que queria e eles publicaram. Nunca chegou a se cogitar de eu ser chamado, ou de pedirem que eu mudasse a coluna. Houve um certo mal estar, mas não passou disto.

OJ: O que o cidadão Luis Fernando Verissimo acha da situação econômica, social e política hoje?
LFV: A situação, infelizmente, não mudou muito. Eu gosto do Fernando Henrique Cardoso, como homem, como intelectual. Acho que ele fez algumas alianças que não precisava fazer para se eleger, com o pessoal mais conservador e tal. Mas acho que é bem intencionado. Estão dando prioridade à estabilização da moeda, à estabilização econômica, quando eu acho que a prioridade num país como o Brasil deveria ser o social. Investir mais no social e não se preocupar tanto com a estabilização da moeda. Mas é uma escolha que eles fizeram, que é respeitável. No entanto, eu acho que no essencial, que é a qualidade de vida da grande maioria do povo brasileiro, não vejo muita perspectiva, com esta política neoliberal. Mas vamos ver. Espero estar enganado. Eu votei no Lula e no PT porque acho que o Brasil precisa de um choque de esquerda. Não que eu ache que a esquerda tenha solução para tudo, mas o Brasil precisa dar uma reorganizada nas suas prioridades. E um choque de esquerda pelo menos teria dado essa mexida.

OJ: Como intelectual, o que tu achas da situação da educação hoje em nosso país?
LFV: Eu acho que a educação, como tudo o mais no Brasil, é uma decorrência da nossa situação econômica. Este é um país pobre, país miserável, em que 70% da população praticamente não têm vida econômica. Então, esta situação se reflete em tudo. Por isto, volto à questão que mencionei antes – as prioridades. O Brasil tem que reorganizar suas prioridades. Priorizar a educação, a melhoria da qualidade de vida, a distribuição de renda, e tudo mais. E a educação no Brasil, especificando porque é o que você perguntou, é um reflexo destas prioridades erradas.

OJ: Tem planos para o trabalho? Pensas em escrever algum outro tipo de literatura?
LFV: Eu já fiz um romance, que se chamava “Jardim do Diabo”, publicado alguns anos atrás. Foi a minha única experiência fora da crônica, do trabalho jornalístico. Eu gostaria de, eventualmente, escrever outro, mas para isto precisaria ter tempo, disponibilidade de tempo e cabeça. Uma romance tem que ser uma coisa mais trabalhada, mais pensada do que o trabalho jornalístico. Eu tenho feito algumas experiências em teatro também. Agora mesmo vou começar a fazer uma peça, uma coisa meio encomendada, mas que eu queria fazer mesmo. E, fora isto, não tenho outros planos. Só continuar fazendo meu trabalho no jornal e, eventualmente, reunindo estes trabalhos num livro.

OJ: Por que gostas de viajar? Para poder desanuviar um pouco, descansar?
LFV: O fato de eu viajar desde pequeno. Aos 7 anos, fui para os Estados Unidos pela primeira vez, como contei. Depois, quando ainda era solteiro, viajei pela Europa com meu pai. Eu acho que tomei gosto pela viagem. Talvez, se não tivesse começada a viajar desde garoto, não tivesse este gosto. Mas é só o prazer da viagem, de conhecer lugares novos. Não tem outro objetivo. E férias é pra desligar um pouco da realidade. É isto. Eu sempre digo que meu único luxo é a viagem.

OJ: Além de morar aqui em Porto Alegre, ficas também muito tempo no Rio de Janeiro?
LFV: É. Eu vivi quatro anos no Rio. De 62 a 66. Voltei de lá já casado e a primeira filha já tinha nascido. Vamos lá seguido, pois a Lúcia é carioca, mas a minha base de operações é Porto Alegre.


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