Narciso, John William Waterhouse
Tentando compreender a
atualidade, leio em “O declínio do homem público”, de Richard Sennett (2014),
sobre o “narcisismo”, quando o autor se refere aos princípios que regem uma
“sociedade intimista” como a nossa, cuja característica principal está relacionada
à “valorização da comunidade”. Em uma passagem do livro, Sennett nos recorda
que o narcisismo “é a busca da gratificação do eu que ao mesmo tempo evita que
tal gratificação ocorra, [...] uma possibilidade de caráter para qualquer
pessoa”. Assim, se nos acostumamos a idealizar o que queremos e que irá servir
aos nossos interesses e também aquilo que não queremos ou não nos serve, somos
motivados a “testar a realidade”.
Se uma comunidade é também uma
identidade coletiva, com pessoas que se abrem emocionalmente umas às outras por
acreditar que esta abertura cria uma espécie de “tecido” que as mantêm unidas
em um “laço social” (ainda que, de modo não tão diferente do que acontecia no
século XVIII, “onde aquilo que as pessoas compartilhavam eram disfarces e
máscaras”), vamos nos agrupando a partir do sentimento comum de construção
coletiva de algum projeto, ou porque houve uma ameaça a alguma conquista nossa
- outro exemplo significativo. Isto, porque, quando acontece de pessoas ou
grupos se sentirem ameaçados em suas conquistas, principalmente, “nos períodos
em que a vida pública está em erosão”, parece evidente que a origem dos
fenômenos formadores desses grupos pode estar no fato de que o engajamento
desses indivíduos - motivados a “testar a realidade” - tem a ver com os seus
próprios comportamentos de “purificação”, “rejeição” ou “castigo”... que nada
mais é do que a “exclusão” daqueles que não são mais comuns ou afins. E pode
ser justamente neles - os excluídos, os diferentes de nós - que projetamos a
nossa própria responsabilidade - aquela mesma do negligente Narciso. Mas,
enfim... lendo, vivendo e aprendendo.
Marcia Morales Salis
Gestora Cultural, moradora do bairro Ipanema
marcia_ms@msn.com
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