Conheça a história do jornal criado por duas
crianças de 11 anos que se tornou um dos mais antigos de Porto Alegre
Cristian, Gustavo,
Guilherme e Denis
durante a produção de um dos primeiros exemplares
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Por Gustavo Cruz da Silveira Jornalista e fundador de O
Jornalecão
O Jornalecão nasceu no dia 10 de maio
de 1987, mas sua história começou ainda no ano anterior, exatamente no dia 11
de novembro de 1986, quando os meninos e meninas da rua Oiampi (entre eles, eu)
se organizaram para “construir” um campo de futebol. Levamos a coisa tão a
sério que fizemos inclusive eleição e elaboração de estatuto. Dois dias depois,
nos unimos em mais de dez meninos para ir pisotear o matagal de quase dois
metros de altura de um terreno baldio da rua. O próprio jogo serviu para
desmatar mais o campo pros jogos seguintes e para a estreia oficial, o jogo dos
pais contra os filhos.
Revista ou jornal?
Com o sucesso da empreitada com o campinho, no dia 25 de
abril surgiu a ideia de fazermos uma “revista da rua” para juntar dinheiro e
comprar materiais como bolas, uniformes e tinta (para marcar as linhas do
campo). No dia seguinte, Cristian foi à
minha casa com uma nova ideia, que aprovei na hora: ao invés de uma revista, fazer um jornal.
Eu e Cristian achávamos que o nome deveria ter alguma
relação com a rua, já que nosso público-alvo eram os vizinhos. Foi então que
ele sugeriu o nome Diário da Oiampi. A edição seria “xerocada” e dobrada ao
meio, para depois ser vendida aos vizinhos. Decidimos que metade do lucro seria
destinado para o campinho e a outra metade seria para pagar as próximas edições. Os amigos iriam colaborar com matérias,
desenhos, etc. A primeira equipe contou, além dos fundadores, com os vizinhos
Fabrício, Quinho e Denis (irmão do Cristian) e Guilherme (meu irmão), esses
dois últimos então com apenas 9 anos de idade, enquanto os outros tinham no
máximo 11.
Planejando o
lançamento
A ideia era lançar a primeira edição do jornal no Dia das
Mães, que, em 1987, caiu no domingo de 10 de maio, então tínhamos pouco tempo.
Nessa época, para encontrar uma máquina da Xerox era necessário ir até o Centro
da cidade, e nós, crianças, não tinhamos autorização para isso. Por isso, a mãe
do Cristian, Dona Rúbia, doou a impressão dos 5 primeiros exemplares. Além do
primeito exemplar, que foi entregue justamente para Dona Rúbia, por ser nossa
primeira apoiadora, tínhamos certeza de vender também para meus pais, o que já
representava 40% das vendas.
A hora da verdade
Após montar os exemplares, com 12 páginas cada, a edição
começou a ser distribuída depois das 22h daquele 10 de maio de 1987. Nós já
tínhamos vendido os exemplares para nossos pais, mas ainda tínhamos que vender
os outros três naquela mesma noite. Afinal, era uma edição especial de Dia das
Mães.
Rapidamente, saímos para oferecer o
jornal para os vizinhos de porta em porta. Depois de brevemente afinarmos nosso
discursos, batemos na primeira casa, de Cláudio Wolf, pai do Quinho, um dos
colaboradores do jornal. Como era a primeira venda fora de nossas casas,
ficamos um pouco tímidos. Apesar de ter oferecido o jornal olhando pra baixo,
mesmo assim, ele gostou e pagou os 5 cruzados, tornando-se, assim, o primeiro cliente
conquistado “fora de casa”. Era o incentivo que precisávamos para ganhar
confiança para as próximas vendas e então vendemos outro exemplar na casa da
Letícia e da Carolina, após pularmos o muro (naquele tempo, a maioria das casas
não tinham cercas e os muros eram baixos).
Uau, 50 cruzados!
Faltava apenas um exemplar e o nosso
aproveitamento era de 100%, com vários vizinhos pra visitar ainda. Estávamos
empolgados! Apesar do horário, vimos as luzes acesas na casa de Pedro Opazo e
Eugenia Aguillera, pais da Paula e da Carolina, e batemos. Foi então que, além
de atingir nossa meta com a última venda, ganhamos também um incentivo extra e inesperado.
Depois de elogiar muito a nossa iniciativa, Seu Pedro pegou uma nota de 50
cruzados, dez vezes mais que o valor pedido (quantia na época equivalente a,
aproximadamente, 1 dólar), o que
garantiu outras edições do jornal.
Outros vizinhos pediam
Nos dias seguintes
ao lançamento, os vizinhos que não
conseguiram comprar a edição do nosso jornal ficaram cobrando, dizendo que
também queriam um exemplar, o que tornou necessário imprimir novas cópias o
mais rápido possível. Imprimimos mais quatro exemplares da primeira edição, com
parte do dinheiro da primeira noite de venda, mas já era certo que nas próximas
quinzenas precisaríamos de mais exemplares. Na segunda edição, uma das
vizinhas, Dona Candida, doou os exemplares, o que nos garantiu um ganho extra,
aí começamos a pensar em fazer mais edições para sobrar mais dinheiro pro nosso
“estádio”.
A 1ª equipe e os
coirmãos
Fazer mais edições exigia mais mãos. Denis, irmão do
Cristian, e meu irmão, Guilherme, ambos com 9 anos, foram os colaboradores que
permaneceram. Por isso, como forma de incentivo, foram “promovidos”, pois já
nessa época uma das realidades dos jornais de bairro se fazia presente: tem que
saber fazer tudo: arte, matérias, vendas, distribuição...
O sucesso do jornal levou os nossos
antigos colaboradores a fazer outro jornal da rua: Fabrício se uniu ao Leandro
para lançar o Jornal da Oiampi e o Henrique (Quinho) criou com o Alessandro o
Correio da Oiampi. A “concorrência” com outros jornais na Rua Oiampi durou
menos de dois meses, pois os coirmãos logo pararam de circular. Mas isso nos
fez planejar um pouco o crescimento. Produzimos mais exemplares, que foram
divididos entre os quatro integrantes da equipe e cada um vendia sua parte, o
que fez o jornal se expandir para outras ruas.
Mudando de nome
A cada edição, mais vizinhos do Guarujá e, depois, de
outros bairros pediam o jornal, por isso sentimos a necessidade de mudar de
nome, já que havíamos definitivamente alcançado além da nossa rua. Planejamos a
mudança de nome para maio de 1989, quando se completaria dois anos de
circulação, e escolhemos O Jornalecão, porque nosso jornal se tornou “um grande jornal pequeno”.
Mudando a fotografia
Denis deixou de integrar a equipe de O Jornalecão no início
de 1989, depois que a família se mudou para o Menino Deus. Seu irmão mais
velho, Cristian, por ser fundador, ainda continuou mais alguns meses, quando
decidiu sair pra se preparar para a carreira de médico, que exerce atualmente.
Outros dois que se somaram depois, Marcelo e Paula, também saíram naquele mesmo
ano, assim como Guilherme, que retornou anos depois e permanece até hoje.
Foi nessa época que conheci um leitor
de O Jornalecão que veio a se tornar meu amigo e
sócio, Rafael Queiroz, que trouxe várias ideias novas. A parceria durou pouco,
mas o suficiente para me reanimar a continuar a caminhada. Depois, em 1991, se
apresentou uma nova parceria, com outro amigo, Frederico (Ico), que também
durou pouco. E a bola voltou novamente para mim. Decidido a não largá-la mais,
formei-me em Jornalismo pela PUC, em 2000. Meu trabalho de conclusão falou,
obviamente, sobre jornais de bairro, o que me levou a uma grande descoberta: já
na década de 50, a Zona Sul contava com um jornal de bairro, o mais antigo da
cidade (ver matéria na página 13).
O presente
Nesses 27 anos que se passaram,
nosso compromisso com a comunidade, que desde o ínicio nos acolheu, só se
fortaleceu, fazendo de O Jornalecão, com muito orgulho, um dos jornais de
bairro mais antigos de Porto Alegre. E que venham muito mais anos pela frente!
Obrigado, vizinhos, pelo reconhecimento do nosso trabalho! Permaneceremos à
disposição de vocês!
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